"Hoje em dia, o mundo
está em guerra contra si mesmo, ou seja, o mundo está em guerra, como digo, uma
guerra em folhetins, aos pedaços"
Em entrevista exclusiva à
Renascença, o Papa Francisco diz que as pessoas estão desiludidas com a
“corrupção a todos os níveis”.
Esta entrevista acontece em
plena crise dos refugiados. Santo Padre, como está a viver esta situação?
É a ponta de um iceberg.
Vemos estes refugiados, esta pobre gente que escapa da guerra, que escapa da
fome, mas essa é a ponta do iceberg. Porque debaixo dele, está a causa. E a
causa é um sistema socioeconómico mau e injusto, porque dentro de um sistema
económico (dentro do mundo, falando do problema ecológico, da sociedade
socioeconómica, da política) o centro tem de ser sempre a pessoa. E o sistema
económico dominante, hoje em dia, descentrou a pessoa, colocando no centro o
deus dinheiro, que é o ídolo da moda. Ou seja, há estatísticas, não me recordo
bem (isto não é exato e posso equivocar-me), mas 17% da população mundial detém
80% das riquezas.
No Angelus de 6 de Setembro,
lançou o desafio às paróquias para que acolham refugiados.
Já houve reações? O
que espera em concreto?
O que eu pedi foi isto: que
cada paróquia, cada instituto religioso, cada mosteiro, acolha uma família. Uma
família, não uma pessoa. Uma família dá mais segurança de contenção, um pouco
para evitar que haja infiltrações de outro tipo. Quando digo que uma paróquia
deve acolher uma família, não digo que tenham de ir viver para a casa do padre,
para a casa paroquial, mas que toda a comunidade paroquial veja se há um lugar,
um canto num colégio para aí se fazer um pequeno apartamento ou, na pior das
hipóteses, que arrendem um modesto apartamento para essa família; mas que tenham
um teto, que sejam acolhidos e que se integrem na comunidade. Já tive muitas
reações, muitas, muitas. Há conventos que estão quase vazios.
Há dois anos, o Santo Padre
já fez esse apelo e que resultados é que houve?
Só quatro. Um deles, dos
jesuítas (risos); muito bem, os jesuítas! Mas o assunto é sério, porque aí
também há a tentação do deus dinheiro. Algumas congregações dizem “Não, agora
que o convento está vazio, vamos fazer um hotel e podemos receber pessoas e,
com isso, sustentamo-nos ou ganhamos dinheiro”. Pois bem, se quereis fazer
isso, pagai os impostos! Um colégio religioso, por ser religioso está isento de
impostos, mas se funciona como hotel, então, que pague os impostos como
qualquer vizinho do lado. Senão, o negócio não é limpo.
O Santo Padre fala disso na
sua última encíclica e pede para as populações estarem mais conscientes. No
entanto, verifica-se muita abstenção. Se vemos os resultados das eleições, a
abstenção é quase maior do que um partido…
Porque a gente está
desiludida. Em parte, por causa da corrupção, em parte pela ineficácia, em
parte pelos compromissos assumidos anteriormente. E, no entanto, a Europa –
volto a dizer o que disse em Estrasburgo – tem que desempenhar o seu papel, ou
seja, recuperar a sua identidade. É verdade que a Europa se enganou – não estou
a criticar, mas só a recordar –, quando quis falar da sua identidade sem querer
reconhecer o mais profundo da sua identidade, que é a sua raiz cristã, não foi?
Aí enganou-se. Bom, mas todos nos enganamos na vida… está a tempo de recuperar
a sua fé.
Diz que prefere uma igreja
acidentada a uma igreja estagnada. O que entende por “igreja acidentada”?
Sim, eu explico: é uma
imagem de vida. Se uma pessoa tem em sua casa uma divisão, um quarto, fechado
durante muito tempo, surge a humidade, o mofo e o mau cheiro. Se uma igreja, uma
paróquia, uma diocese, um instituto, vive fechada em si mesmo, adoece (acontece
o mesmo com o quarto fechado) e ficamos com uma Igreja raquítica, com normas
rígidas, sem criatividade, segura, mais que segura, assegurada por uma
companhia de seguros, mas não segura! Pelo contrário, se sai – se uma igreja,
uma paróquia saem – lá para fora, a evangelizar, pode acontecer-lhe o mesmo que
acontece a qualquer pessoa que sai para a rua: ter um acidente. Então, entre
uma igreja doente e uma Igreja acidentada, prefiro uma acidentada porque, pelo
menos, saiu para a rua.
E aqui, quero repetir uma
coisa que já disse noutra ocasião: na Bíblia, no Apocalipse, há uma coisa linda
de Jesus, creio que no segundo capítulo (no final do primeiro ou no segundo),
em que está a falar a uma Igreja e diz: “Estou à porta e chamo” – Jesus está a
bater – “Se me abres a porta, entro e vou comer contigo”. Mas eu pergunto:
quantas vezes, na Igreja, Jesus bate à porta, mas do lado de dentro, para que O
deixemos sair a anunciar o reino? Por vezes, apropriamo-nos de Jesus só para
nós, e esquecemo-nos que uma Igreja que não está em saída, uma Igreja que não
sai, mantém Jesus preso, aprisionado.
http://rr.sapo.pt/noticia/34067/entrevista_ao_papa_tenho_confianca_nos_politicos_jovens_ha_um_problema_mundial_que_e_a_corrupcao)
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