O rápido declínio do
catolicismo cultural pode fazer a Igreja voltar a ser o que ela deveria ser.
Quando a fotografia foi
inventada, em meados do século XIX, algumas pessoas temiam que essa nova
prática, especialmente quando a cor fosse adicionada a ela, condenasse a arte
da pintura ao desaparecimento. Já que a câmera poderia representar visualmente
a realidade com muito mais precisão do que o pincel, a pintura teria menos
demanda e a qualidade e quantidade de pintores cairia. Mais cedo ou mais tarde,
aquela arte milenar acabaria se extinguindo.
Como todos sabem, os
pessimistas estavam errados.
Longe de condenar a arte da
pintura, a fotografia a libertou de uma das suas funções não essenciais: a de
representar a realidade visível. O que se seguiu nas décadas seguintes,
começando com os impressionistas, foi uma explosão de criatividade na arte da
pintura. Livre da necessidade de fornecer representações precisas da realidade,
a pintura se tornou mais "pura". O artista estava mais livre do que
nunca para saciar os seus impulsos criativos e as suas inspirações.
Eu acho que devemos ter isso
em mente quando pensamos no declínio do catolicismo, especialmente nas regiões
mais ricas do mundo. À primeira vista, parece que o catolicismo está condenado
a desaparecer nos países mais prósperos, sobrevivendo apenas nos mais pobres.
Mas um olhar mais cuidadoso
pode nos convencer de que o que está acontecendo é que o catolicismo está
perdendo apenas as suas funções não essenciais, ficando livre, assim, para se
tornar mais "puro". Talvez este declínio seja apenas um prelúdio de
uma nova e criativa era do catolicismo, como a fotografia foi o prelúdio de uma
nova e criativa era para a pintura.
Considere algumas das
funções não essenciais que o catolicismo foi desempenhando ao longo dos séculos
em favor das sociedades e dos indivíduos pré-modernos ou não plenamente
modernos:
- Na ausência da medicina
moderna, o catolicismo dava às pessoas a esperança de que elas e seus entes
queridos fossem curados milagrosamente das muitas doenças fatais que
assombravam o mundo;
- O catolicismo permitiu aos
católicos a esperança de que, por meio da oração, eles seriam capazes de
escapar da pobreza ou, pelo menos, das mais graves das suas mazelas;
- O catolicismo propunha
“sanções celestiais” para os governantes da sociedade;
- O catolicismo
proporcionava, nos países católicos, boa parte do consenso cultural necessário
para manter a sociedade coesa;
- O catolicismo, em geral,
fornecia as bases para mil e uma formas de superstição.
Nessas sociedades
pré-modernas ou não plenamente modernas, havia muitos motivos para que uma
pessoa fosse católica: motivos mundanos, utilitaristas. Havia fortes motivos
para o catolicismo, mas nem todos eram motivos católicos "puros". Já
nos países modernizados do mundo atual, você, os seus filhos e os seus netos
não vão conseguir manter o seu catolicismo firme se os seus motivos forem
meramente utilitaristas e mundanos. Vivemos num mundo de maior prosperidade
econômica, medicina moderna, aumento das sanções democráticas contra as
autoridades políticas que se desviam do seu papel, consenso social com bases
não religiosas e uma visão científica do mundo que tende a minar todas as
superstições. O catolicismo, enfim, não é mais “necessário” para esse tipo de
coisas.
E isto libera as pessoas
para serem católicas por razões puramente católicas!
Vamos pensar na castidade,
por exemplo. Ela é uma grande virtude católica. Antigamente, a castidade antes
do casamento era abraçada por jovens mulheres (e alguns jovens homens) por um
motivo amplamente utilitarista: evitar a gravidez. Hoje em dia não se precisa
ser sexualmente abstêmio para evitar a gravidez. Se um católico opta hoje pela
castidade, esta escolha pode se basear em motivos puramente católicos: a pessoa
escolhe a castidade não por razões úteis, mas porque a reconhece e abraça como
uma grande virtude católica.
Pode ser, então, que o
colapso do catolicismo "social" e "utilitarista" nos leve a
um grande renascimento do catolicismo "puro". Os católicos meramente
utilitaristas continuarão se afastando da Igreja, fenômeno que vem ocorrendo há
décadas. Já os católicos que permanecerem vão redescobrir os fundamentos
autênticos da religião católica. A subsociedade católica na América do Norte e
na Europa, por exemplo, será menor em quantidade, mas superior em qualidade.
Haverá menos católicos, mas o católico médio será "mais católico". O
declínio numérico no catolicismo, enfim, pode ser o prelúdio de um grande
renascimento da religião autêntica.
É o que eu penso no momento.
Em todo caso, por mais que o atual cenário pareça desanimador, é muito cedo para
nos desesperarmos. E se você está tentado a se desesperar, como eu mesmo fico
tentado muitas vezes, lembre-se da câmera e do pincel...
FONTE: Aleteia
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