“Não há dúvidas de que seja necessária uma
presença maior da mulher nas cúrias, não só na romana”
O grande passo para que as mulheres voltassem
a ser lembradas pela Igreja Católica foi dado no Concílio Vaticano II e de lá
para cá muita coisa mudou, mas ainda há um longo caminho a ser percorrido. Foi
mais ou menos esse o tom do debate sobre o tema “A força da mulher” realizada
ontem na Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma, por ocasião do lançamento
do documentário Maria di Magdala: Le donne nella Chiesa (“Maria Madalena: As
mulheres na Igreja”), dirigido e produzido pela espanhola Maite Carpio, a ser
exibido pela TV italiana Rai 3 em 28 de dezembro no programa La Grande Storia.
As mães do Concílio - “O Vaticano II foi um germe para mudanças
notáveis. Foi a primeira vez que mulheres participaram de um concílio”,
recordou a teóloga Marinella Perroni, doutora em Teologia e Filosofia e professora
de Novo Testamento no Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em Roma. Convocado em
1962 pelo Papa João XXIII, o Concílio Vaticano II foi a última grande reforma
da Igreja Católica, desde aspectos práticos e pastorais até a liturgia e o modo
de pensar a própria Igreja.
A professora Marinella, uma das entrevistadas
do documentário, se refere às chamadas “mães do Concílio”, um grupo de 23
mulheres (13 leigas e 10 religiosas) que participaram como observadoras do
grande encontro que reuniu 2.500 bispos do mundo inteiro para repensar a
Igreja. Elas chegaram muito tempo depois
que o Concílio havia começado, apenas quando o então cardeal Arcebispo de
Bruxelas, Dom Léon-Joseph Suenens, teria dito aos seus companheiros padres do
concílio: “Caros irmãos, olhem para os lados… onde está a outra metade da Igreja?”
Foi somente em setembro de 1964, sob o Papa Paulo VI, que a primeira mulher
entrou numa sala conciliar.
Conforme o documentário, 60% dos fiéis que se
dizem católicos atualmente são mulheres. Mas só depois do Vaticano II as mulheres passaram a ser admitidas nas
faculdades de Teologia, por exemplo. “Não nos faltou nos últimos 50 anos uma
contribuição forte de teologia das mulheres, isto é, a participação da mulher
na interpretação e no crescimento teológico”, afirmou Marinella. “Alegra-me
recordar que estamos em um caminho de crescimento.” Numa fala bastante crítica,
mas otimista, ela recordou a argentina Margarita Moyano Llerena, então
presidente da Federação Mundial da Juventude Católica Feminina e uma das
mulheres que participaram do Concílio, que teria dito: “As mulheres em Roma
chegam só no fim, mas, no fim, chegam.”
Últimos dois Papas - O padre Federico
Lombardi, atual porta-voz do Vaticano e que trabalhou como consultor na
preparação do documentário Maria di Magdala, observou que o aumento da participação
das mulheres nas decisões da Igreja é algo que vem sendo preparado e defendido
pelos últimos dois Papas, Bento XVI e Francisco, com os quais ele vem
trabalhando nos últimos anos.
Para ilustrar esse ponto de vista, o padre
jesuíta recordou a entrevista de Bento XVI a uma TV alemã em 2006, quando
disse: “As próprias mulheres, com a sua motivação e força, com a sua por assim
dizer preponderância e o seu ‘poder espiritual’, saberão encontrar o próprio
espaço. E nós (homens) deveríamos procurar colocar-nos à escuta de Deus, para
não nos opormos a Ele; ao contrário, fazemos votos por que o elemento feminino
obtenha na Igreja o lugar ativo que lhe é próprio, a começar pela Mãe de Deus e
por Maria Madalena.”
Da parte do Papa Francisco, Lombardi admitiu
que ainda “não entendeu perfeitamente” o que ele quis dizer na entrevista
coletiva concedida aos jornalistas que estavam no avião durante a viagem de
volta do Rio de Janeiro a Roma, em julho.
Na ocasião, declarou Francisco: “O papel da mulher na Igreja não deve
circunscrever-se a ser mãe, trabalhadora… Limitá-la não! É outra coisa!”
O Papa lembrou as mulheres do Paraguai, que
depois da guerra (1864-1870) tiveram de reconstruir o país mantendo a cultura
local e acrescentou: “Na Igreja, temos de pensar a mulher sob essa perspectiva
de escolhas arriscadas, mas como mulheres. Isso deve ser explicitado melhor. Eu
acho que ainda não se fez uma profunda teologia da mulher na Igreja.
Limitamo-nos a dizer que pode fazer isto, pode fazer aquilo, agora faz a
coroinha, depois faz a Leitura, é a presidente da Caritas… Mas, há muito mais!
É necessário fazer uma profunda teologia da mulher.” Segundo o porta-voz do Vaticano, “os dois últimos papas
têm uma perspectiva muito aberta sobre a realidade da mulher na Igreja. Muito
foi feito, mas é necessário entender que ainda há muito a avançar”.
Apóstola dos apóstolos - De acordo com o
presidente do Pontifício Conselho da Família, o arcebispo Dom Vincenzo Paglia,
não é possível aprofundar uma “teologia da mulher” sem recordar o papel
essencial das mulheres na História da Igreja. “Quando se lê a História com
profundidade, encontramos algumas mulheres com um papel evidente, mas outras
serão descobertas. As mulheres são parte determinante”, defendeu, destacando a
história das ordens religiosas femininas. “Houve uma abadessa que tinha poder
sobre os padres, mais do que o bispo. A história do monasticismo é exemplar.”
Dom Paglia, um dos entrevistados para o
documentário, acredita que a força da mulher na Igreja precise ser redescoberta
pelos homens, de modo que elas assumam funções mais decisivas, inclusive na
administração eclesiástica. “Não há dúvidas de que seja necessária uma presença
maior da mulher nas cúrias, não só na romana.” Porém, ele alerta: é
indispensável não perder “a visão do mistério de Deus” ao afrontar o problema.
“O poder na Igreja não é parlamentar, econômico, militar… é um poder
diferente.” Referindo-se a Maria Madalena, primeira pessoa que encontrou Jesus
após a ressurreição, segundo o relato bíblico, e que dá nome ao documentário,
disse Dom Paglia: “Devemos redescobrir o significado de Maria Madalena; o que
queremos dizer quando a chamamos ‘a apóstola dos apóstolos‘.”
(Praça de Sales)
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