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domingo, 5 de janeiro de 2014

IMPREVISÍVEL, PAPA FRANCISCO DESAFIA OS JORNALISTAS DA RÁDIO VATICANO

Francisco é um papa de verbos fortes, como "camminare" (caminhar) e "ascolare" (escutar), e seu discurso é salpicado com a palavra "avanti" (avante).
Por Fiona Ehlers, na revista Der Spiegel e reproduzida pelo portal UOL, 25-12-2013



Diariamente, a "Rádio Vaticano" traduz as palavras do papa para 44 línguas. O staff de da emissora conta com alguns dos melhores e mais brilhantes profissionais de cerca de 60 países.

Mas o papa Francisco é muito imprevisível, o que torna um trabalho difícil ainda mais duro.

E muita coisa mudou desde que ele assumiu. A quarta-feira, o dia da audiência geral semanal do papa, é um exemplo. Toda vez, Francisco é levado até a praça de São Pedro no papamóvel às 9h30 da manhã, uma hora mais cedo que seu antecessor. Está claro que tanto o papa quanto os peregrinos apreciam mais a parte não oficial da audiência.

Um carabinieri (policial) manda um beijo para Francisco. Três crianças pegam seu solidéu branco e o experimentam. O papa aceita camisas de times de futebol argentinos, beija 14 crianças e se aproxima de um homem que não tem nariz. Ele encosta sua testa na testa do homem e diz: "Reze por mim".

A menos de 500 metros de distância, Anne Preckel, da "Rádio Vaticano", está sentada em frente a uma tela de TV em um prédio sem identificação, assistindo à transmissão ao vivo. A alemã de 34 anos da região de Vestfália é responsável pela transmissão nesta quarta-feira. Preckel, que diz ser uma católica crítica, está em Roma há cinco anos. Seu computador se apoia em uma pilha de livros. O mais grosso se chama "O Púlpito na Alemanha Oriental". O sermão começa, com o papa falando em italiano, e Preckel escuta atentamente.

Francisco está falando sobre a importância da confissão. Ele diz que ele também se confessa e que ele também é um pecador. Isso é território familiar para Preckel. Francisco diz essas coisas com frequência e não há motivo para alarme... ainda.

Dificuldades do trabalho

Então ele olha para a multidão e sua voz se torna mais profunda e mais forte. Ele faz perguntas e improvisa diálogos para envolver sua plateia. Para Preckel, essas são as partes perigosas, porque este papa aprecia falar de forma livre e espontânea. Cada palavra importa a essa altura. Uma sentença retirada de contexto pode ter consequências devastadoras, como ocorreu em 2006, quando o papa Bento 16, falando na cidade de Regensburg, no sul da Alemanha, citou um texto que foi interpretado como sendo crítico ao islã.

Um comentário espontâneo também pode causar alvoroço. Em julho, após retornar de uma viagem ao Brasil, Francisco falou aos colegas de Preckel sobre gays, finanças e mulheres na igreja.

Preckel faz parte dos 400 funcionários de 60 países que trabalham na "Rádio Vaticano", uma espécie de Organização das Nações Unidas dentro do Estado papal. Todo dia eles traduzem as palavras do papa em 44 línguas e as transmitem ao redor do mundo em 39 programas de rádio diferentes. Não é um trabalho fácil, especialmente desde que este novo papa imprevisível assumiu o cargo. Colocando de modo simples, ninguém sabe o que Francisco dirá.

Agora Preckel está ouvindo Francisco dizer: "Não tenham vergonha de confessar seus pecados. É melhor corar uma vez do que amarelar milhares de vezes". Ela sorri pela primeira vez nesta manhã. É uma frase típica de Francisco, aparentemente banal, mas altamente autêntica.

Papa de verbos fortes

"Este papa faz sua homilia matinal diariamente, ele gosta de fazer piadas e tem em baixa estima os manuscritos que são revisados pelo secretariado de Estado", diz o chefe de Preckel, o padre jesuíta Andrzej Koprowski. "Às vezes isso realmente nos faz suar, porque temos que pensar em coisas como: essa piada faz sentido em mandarim? A tradução em suaíli está correta? Será que eles o entenderão no Senegal?"

Koprowski, o diretor de programação da "Rádio Vaticano", é um senhor respeitável que fala italiano com sotaque polonês. O papa João Paulo 2º o trouxe para Roma em 1983. Na época, ele foi basicamente um tradutor de uma mudança radical: o movimento Solidariedade na Polônia, a perestroika e a queda do Muro de Berlim. Agora suas mãos estão cheias com as revoluções de Francisco. O estilo pé no chão do papa é superficial demais para alguns, diz Koprowski. "Eles sentem falta do barroco, da gravidade que associam à importância do papa. Mas eu não sinto falta de nada disso."

Francisco é um papa de verbos fortes, como descobriu um jornal milanês quando analisou os discursos de seus primeiros sete meses de pontificado. Ele usa com frequência os verbos "camminare" (caminhar) e "ascolare" (escutar), e seu discurso é salpicado com a palavra "avanti" (avante). Seu olhar é direcionado para fora, ou "fuori", para as margens da sociedade. As principais entre as 106 mil palavras usadas pelo papa em seus discursos são "tutto" e "tutti" (tudo e todos). Três palavras que dificilmente aparecem em seu vocabulário ativo são punição, disciplina e poder.

Mais engraçado que Bento?

"Ele nos faz trabalhar mais arduamente que seu antecessor, mas também é mais engraçado", diz Preckel. Os funcionários da "Rádio Vaticano" não apenas traduzem as palavras do papa: eles também precisam selecionar, categorizar e interpretar - mais com Francisco do que com Bento.

O que acontece com as palavras do papa e como elas chegam aos fiéis não poderia ser mais variado. Na China, por exemplo, os cristãos perseguidos escutam seus discursos em segredo, enquanto os programas africanos os acompanham com muita música. Os programas alemão, francês e polonês são considerados especialmente liberais e sofisticados.

Nessa quarta-feira em particular, a audiência de Francisco dura até a hora do almoço. Ele está admirando os quadros que as crianças pintaram de um homem em túnica branca. "Quem é esse homem feio?", o papa pergunta, e as crianças gritam: "É você!"

Até mesmo essas palavras são gravadas e arquivadas, como tudo o que o sai da boca do papa. As palavras papais reunidas são armazenadas em um corredor secreto entre o Castelo de Santo Ângelo e o Vaticano. Os funcionários da "Rádio Vaticano" brincam que, se o papa continuar falando no ritmo atual, eles podem acabar ficando sem espaço lá.


(IHU On line)

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