Pela primeira vez no Museu
Nacional de Seul, o artista que "traduziu" visualmente as cenas do
Evangelho para o povo da Coreia.
Para comemorar o centenário
do nascimento de Kim Ki-chang, artista cristão falecido em 2001, o Ministério
da Cultura sul-coreano dedicou a ele uma retrospectiva no Museu Nacional, em
Seul, intitulada "Cristo e o cordeiro surdo". É um fato inédito: o
pintor é conhecido e respeitado no país, mas o caráter religioso da sua obra o
tinha mantido longe dos edifícios estatais até agora.
A vida de Kim Ki-chang foi
marcada, durante longo tempo, pela solidão e pela marginalização por causa da
surdez, resultado da febre tifoide que ele contraiu aos oito anos de idade. Mas
a arte e a fé cristã, legado de uma família devotíssima, o ajudaram a se expressar
e a se afirmar numa das sociedades menos receptivas às pessoas com deficiência.
De acordo com Yi Joo-heon,
diretor do Museu Nacional, o pintor quis “ler a vida de Cristo sem a lente ocidental,
adicionando elementos da tradição coreana para transmitir a sua
universalidade”.
Kim começou a pintar as
principais cenas da vida de Cristo na década de 1950, quando a península estava
sendo devastada pela Guerra da Coreia (1950-1953) e presenciava a morte de
cerca de três milhões de pessoas; metade delas, civis. Também terrível era a
perseguição contra a Igreja na parte do país que viria a se tornar a Coreia do
Norte depois do armistício de 1953. Milhares de fiéis foram massacrados.
Bispos, padres e freiras foram condenados à execução ou aos “lager”. As igrejas
foram destruídas ou profanadas. Kim falava, em seu diário, de “uma nova paixão,
um novo calvário para todos nós”.
O artista começou a tentar
explicar aos coreanos o papel social, histórico e religioso de Cristo. Por
isso, continua Yi Joo-heon, “ele representa Cristo com os paramentos dos
estudiosos do período imperial Joseon, que vai de 1392 a 1910. Foi uma das
formas de dar a Cristo a imagem do líder, reconhecível por todos. Da mesma forma,
os soldados romanos que o prenderam durante a paixão têm as armaduras dos
servos do império”.
A evangelização na Coreia
começou graças a alguns filósofos e diplomatas que se converteram ao
cristianismo em Pequim. De volta à terra natal, eles espalharam a fé e
batizaram os primeiros catecúmenos.
De 1779 a 1836, quando os
missionários franceses chegaram à península, o cristianismo chegou até a
família imperial coreana: foi essa penetração que desencadeou a perseguição,
mas a abertura para colaborar com a Igreja permaneceu. Nas perseguições,
morreram mais de 10 mil mártires: deles, 103 foram beatificados em dois grupos
diversos, em 1925 e em 1968. Todos foram canonizados juntos em 6 de maio de
1984, em Seul, pelo papa João Paulo II. Agora, a Igreja coreana espera a
canonização de Paulo Yun Ji-chung e dos seus 123 companheiros assassinados por
ódio à fé durante a perseguição Byeongin, na primeira e na segunda metade do
século XIX. Eles foram proclamados Servos de Deus por João Paulo II em 2003.
No último meio século, a
Igreja da Coreia do Sul, definida pelo padre missionário Piero Gheddo como o
"verdadeiro tigre asiático", tem experimentado um forte crescimento,
relacionado também com o crescimento populacional. De 1960 a 2010, os cristãos
passaram de 2% para 30% dos coreanos. Os católicos, nos últimos dez anos,
passaram de 3 milhões para 5 milhões de fiéis. Cada paróquia tem de 200 a 400
batismos de conversos do budismo por ano. Na Coreia de hoje, quem se converte
sabe que terá que se envolver em um dos grupos, associações ou movimentos
paroquiais. O "católico passivo", termo usado pelo papa Francisco em
uma das suas homilias na Casa Santa Marta, não tem vez na Coreia do Sul.
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