Escrevendo para a
Universidade de Marquette, James Foley relata a sua prisão anterior na Líbia.
AP Photo Steven Senne
James Foley, jornalista
freelancer, foi executado nesta semana por membros do grupo extremista Estado
Islâmico. Ele estava desaparecido na Síria desde novembro de 2013. Antes, em
2011, Foley já tinha sido capturado e solto pelas forças pró-governo Kadafi na
Líbia.
A carta que reproduzimos a
seguir, com autorização da revista Marquette, é um relato feito pelo próprio
James Foley sobre o seu cativeiro líbio de 2011
A Universidade de Marquette
sempre foi uma amiga para mim. Daquele tipo de amigo que desafia você a fazer
mais e melhor e que, no fim das contas, dá forma à pessoa que você se torna.
Com a Marquette, eu fiz
trabalhos voluntários em Dakota do Sul e no Mississippi e percebi que eu tinha
sido uma criança bem cuidada enquanto o mundo sofria problemas muito reais.
Encontrei jovens que queriam dar o próprio coração aos outros. Algum tempo
depois, eu me voluntariei numa escola secundária de Milwaukee, próxima da
universidade, e me inspirei a ser professor. Mas a Marquette nunca foi tão
amiga para mim como quando eu fiquei preso como jornalista.
Eu e dois colegas fomos
capturados e mantidos num centro de detenção militar em Trípoli. Aumentava a
cada dia a nossa preocupação com as nossas mães, porque temíamos que elas
começassem a entrar em pânico. Minha colega Clare deveria ter ligado para a mãe
no aniversário dela, justo um dia depois da nossa captura. Eu ainda não tinha
admitido totalmente para mim mesmo que a minha mãe já soubesse do que tinha
acontecido. Mas falei várias vezes para Clare que a minha mãe tinha uma fé muito
forte.
Eu rezava para que ela
soubesse que eu estava bem. Rezava esperando me comunicar com ela através de
algum tipo de alcance cósmico do universo.
Comecei a rezar o terço. É o
que a minha mãe e a minha avó teriam rezado. Recitava dez ave-marias entre cada
pai-nosso. Levava tempo, quase uma hora para recitar cem ave-marias. E isso me
ajudava a manter a mente focada.
Clare e eu rezávamos juntos
em voz alta. Era revigorante falar das nossas fraquezas e das nossas
esperanças, como se conversássemos com Deus, em vez de ficar em silêncio e
sozinhos.
Fomos levados, depois, para
outra cadeia, onde o regime mantinha centenas de prisioneiros políticos. Fui
rapidamente acolhido pelos outros presos e bem tratado.
Uma noite, dezoito dias
depois da captura, os guardas me levaram para fora da cela. No salão, encontrei
Manu, outro colega, pela primeira vez em uma semana. Estávamos abatidos, mas
muito felizes por ver um ao outro. No andar de cima, no escritório do diretor
do presídio, um homem distinto, de terno, se levantou e nos disse:
"Achamos que vocês querem ligar para as suas famílias".
Eu fiz outra oração e disquei
o número. Minha mãe atendeu.
"Mãe, mãe! Sou eu,
Jim!".
"Jimmy, onde você
está?".
"Eu ainda estou na
Líbia, mãe. Me desculpe, eu sinto muito, muito!".
"Não se desculpe,
Jim", ela implorou. "Seu pai acabou de sair. Ah, ele quer tanto falar
com você! Como você está Jim?".
Eu disse a ela que estava
bem alimentado, que tinha uma boa cama e que estava sendo tratado como um
hóspede.
"Eles estão mandando você
dizer essas coisas, Jim?".
"Não, mãe, os líbios
são pessoas maravilhosas. Eu estava rezando para você saber que eu estou bem. Você
sentiu as minhas orações?".
"Ah, Jimmy, tantas
pessoas estão orando por você! Todos os seus amigos, Donnie, Michael Joyce, Dan
Hanrahan, Suree, Tom Durkin, Sarah Fang, todos eles ligaram. Seu irmão Michael
ama você demais!". Ela começou a chorar. "A embaixada turca está
tentando encontrar você e a Human Rights Watch também. Você se encontrou com
eles?". Eu disse que não.
"Estão fazendo uma
vigília de oração por você na Universidade de Marquette. Você sente as nossas
orações?", foi a vez dela de perguntar:
"Sim, mãe, eu
sinto", e pensei sobre isso durante um segundo. Talvez fossem as orações
dos outros que estivessem me dando forças, me mantendo à tona.
O oficial fez um gesto. Eu
comecei a dizer adeus. Mamãe começou a chorar. "Mãe, eu estou forte. Eu
estou bem. Eu tinha que estar em casa para a formatura da Katie", que já
tinha acontecido fazia um mês.
"Nós amamos você,
Jim!", disse ela.
Então eu desliguei.
Eu repassei essa ligação
centenas e centenas de vezes na minha cabeça: a voz da minha mãe, os nomes dos
meus amigos, o conhecimento dela da nossa situação, a confiança absoluta dela
no poder da oração. Ela me disse que os meus amigos tinham se reunido para
fazer tudo o que podiam para me ajudar. Eu sabia que não estava sozinho.
Na minha última noite em
Trípoli, consegui o primeiro acesso à internet em 44 dias e pude ouvir um
discurso que Tom Durkin tinha feito por mim na vigília de oração da Marquette.
Diante de uma igreja repleta de amigos, alunos, ex-alunos, sacerdotes e professores,
eu assisti ao melhor discurso que um irmão poderia fazer pelo outro.
Demonstrava um coração enorme e, mesmo assim, era apenas um vislumbre de todos
os esforços e de todas as orações que as pessoas estavam derramando.
Ainda que não houvesse nada
mais, aquela oração era a força que tinha permitido a minha liberdade, uma
liberdade interior, em primeiro lugar, e, depois, o milagre de ser libertado
durante uma guerra em que o regime não tinha motivação real nenhuma para nos
libertar. Não fazia sentido. Mas a fé fazia.