Toda comparação entre papas
é irrelevante em uma perspectiva cristã, e o amor de um católico ao Santo Padre
vai muito além da sintonia pessoal.
omo lido com coisas
católicas desde a época de Paulo VI, em livros e jornais, muitas pessoas –
talvez desconcertadas ou confusas – insistem em pedir-me opiniões sobre os
primeiros meses do novo pontificado. Costumo responder dizendo algo que
parafraseia a resposta dada aos jornalistas no avião de volta do Brasil,
precisamente pelo Papa Francisco: "Quem sou eu para julgar?". Se
somos obrigados a não julgar os outros – palavras do Evangelho –, muito menos
julgaremos um pontífice eleito, segundo os crentes, pelo Espírito Santo.
Certamente, houve séculos nos quais, ao
parecer, os homens chegaram a substituir o Paráclito: conclaves simoníacos ou
dirigidos pelas grandes potências da época, com candidaturas e vetos impostos
pela política.
No entanto, os que conhecem
realmente a história da Igreja – condição que não é própria de quem é
superficial demais –, os que sabem perceber a dinâmica de "longa
duração" ao longo de 20 séculos, acabam se surpreendendo ao descobrir que
São Paulo parece realmente ter razão quando afirma que "Omnia cooperantur
in bonum", tudo coopera para o bem – também o bem da Igreja, que, em
matéria de fé, não é guiada unicamente por Cristo, mas também, certamente, pelo
"corpo místico".
De qualquer maneira, estando em nossa época,
não se trata de confiar, apesar de tudo, em uma Providência que às vezes pode
nos parecer incompreensível. Não é assim, já que, para todos, é evidente a
qualidade humana daqueles que, nas últimas décadas, desempenharam o papel de
pontífices romanos.
Se nos centrarmos unicamente na sucessão desta
pós-guerra, temos as figuras de Pacelli, Roncalli, Montini, Luciani, Wojtyla,
Ratzinger e, agora, Bergoglio. Quem, por mais distante ou contrário à Igreja
que for, poderá negar que são personalidades de insólito relevo, unidas pela
mesma fé e pelo mesmo compromisso em sua função, mas com grandes diferenças de
caráter, histórias, culturas e estilos pessoais?
E é este precisamente o ponto que, para
muitos, inclusive católicos, parece não estar claro: independentemente de quem
for o homem que chega ao papado e quais forem as nossas consonâncias ou
dissonâncias humorais em relação à sua pessoa, ele sempre será o sucessor de
Pedro, responsável e guardião da ortodoxia; portanto, um homem de Deus, que não
só deve ser aceito, mas por quem também é preciso rezar e a quem é necessário
obedecer com respeito e amor filial.
Estas coisas deveriam estar claras, sobretudo
hoje, com este Bispo de Roma, "proveniente quase do fim do mundo", um
homem de personalidade impetuosa, instintivamente impulsiva, talvez autoritária
(como ele mesmo reconhece na entrevista com Civiltà Cattolica) e marcada,
apesar de sua origem italiana, por uma cultura diferente da nossa [da europeia,
N. da T.], como é o caso da sul-americana.
Este Papa provém, além disso, pela primeira
vez em quase dois séculos, não do clero secular, mas de uma ordem religiosa
caracterizada por uma formação diferente de todas as outras dentro da Igreja. É
uma "Companhia" (denominação militar de um fundador procedente da
vida militar) amada e detestada, admirada e temida há cinco séculos, chegando
ao ponto – caso único – de ser suprimida – “propter bonum Ecclesiae ", diz
a bula – por um papa franciscano, para depois ser ressuscitada por um papa
beneditino.
A verdade exige admitir, sobretudo quando se
observam muitos sites e blogs, que não faltam aqueles que recordam com
nostalgia à sobriedade, o rigor doutrinal, a profundidade cultural e o respeito
pelas tradições de Bento XVI, e a atenção por ele prestada à liturgia.
E ninguém esqueceu o quarto de século desse
extraordinário ciclone que foi João Paulo II, cuja santidade já foi
reconhecida. É compreensível: os sentimentos são algo eminentemente humano.
Mas, repetindo, toda comparação entre papas é irrelevante em uma perspectiva
cristã, e a sintonia de cada crente com um papa se baseia em algo muito
diferente das simpatias pessoais.
A comunidade guiada e governada pelo sucessor
de Pedro sempre teve e terá um fim último (e único) do qual tudo se desprende e
que é recordado explicitamente pelo Código de Direito Canônico: "É lei
suprema da Igreja e salvação das almas".
Ainda que às vezes pareça algo esquecido, tudo
se desprende disso e a totalidade da instituição eclesial existe por isso:
anunciar a vida eterna prometida pelo Evangelho e ajudar todos os homens – com
a pregação e com os sacramentos – a seguir o caminho que leva à meta da morte –
na verdade, ao nascimento à verdadeira vida.
Todo o resto é só instrumento, sempre
modificável e destinado a passar, começando pela burocracia da cúria, apesar de
esta ser indispensável: o próprio Deus quis precisar de uma instituição humana,
com seus organismos e suas leis.
Cada papa está obviamente
convencido desta prioridade da salus animarum, mas Francisco, ao que parece,
com especial urgência e de tal maneira, que faz
todo o necessário para que o
clero, os religiosos e os leigos cheguem também a ter consciência disso.
Esta opção do Pontífice argentino parece
produzir resultados surpreendentes: a respeito disso, eu também meço cada dia o
interesse, a simpatia ou, de fato, a adesão de tantas pessoas que, no entanto,
pareciam inamovíveis em sua indiferença, quando não se encontravam, além disso,
em um laicismo polêmico e agressivo.
O retorno à sucessão natural e, por outro
lado, frequentemente esquecida (em primeiro lugar a fé, e a moral será uma
consequência necessária); o chamado às raisons du coeur antes que às raisons de la raison, usando os
termos pascalianos; os braços abertos a todos, recordando a misericórdia do
Deus de Jesus, cujo ofício é perdoar e acolher os filhos, sem exceção, também
os pródigos. Tudo isso está provocando resultados positivos, que recordam o critério
de avaliação indicado pelo próprio Evangelho: "Conhecemos uma árvore pelos
seus frutos". Se a colheita espiritual está sendo tão boa, não será
igualmente boa a planta da qual ela provém?
Este homem de 77 anos, ainda vigoroso, com seu
estilo de "pároco do mundo", quer comprometer a totalidade da Igreja
neste desafio de reevangelização do Ocidente, que teve um caráter central
também pelo programa pastoral dos seus dois últimos antecessores.
Nenhuma fratura, portanto, mas continuidade,
inclusive na diversidade de temperamentos. Esta nossa Igreja bimilenar mostra
também, dessa maneira, não ter intenção alguma de reduzir-se a uma seita
rancorosa, não só minoritária, mas também marginalizada. Com Roma e seus
bispos, o mundo inteiro deverá ser medido novamente, como ocorreu nos tempos do
império romano, quando tudo começou.
FONTE: http://www.aleteia.org
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