A alternância de dias muito quente e muito
frio que o País viveu neste inverno, se olhada individualmente, pode ser
explicada pela variação normal do clima. Mas se observada dentro de uma
sequência de oscilações de eventos extremos ao longo dos últimos anos pode ser
interpretada como mais um sinal de que as mudanças climáticas já estão
acontecendo.
Essa é uma das conclusões que podem ser
tiradas do primeiro relatório de avaliação nacional que o Painel Brasileiro de
Mudanças Climáticas (PBMC) divulga hoje em São Paulo. O trabalho é resultado do
esforço de 345 pesquisadores, das mais diferentes áreas, que avaliaram estudos
feitos desde 2007 sobre os impactos do aquecimento global no Brasil.
A
reportagem é de Giovana Girardi e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo,
09-09-2013.
"Oscilações de extremos são coincidentes
com as mudanças climáticas. Com o aquecimento da atmosfera, ela fica mais
instável, o que cria uma variabilidade de extremos. Do muito quente para o
muito frio. Do muito úmido para o muito seco", explica o meteorologista
Tercio Ambrizzi, da USP, coordenador do grupo de trabalho 1 do painel.
Ao analisar o histórico de ocorrência desses
eventos, os pesquisadores observaram que, nos últimos 30 anos tem aumentando a frequência de chuvas fortes
(com mais de 60 milímetros de água) no inverno do Sul e do Sudeste, onde a
estação é seca. "Isso não ocorria antes dos anos 70, por exemplo. Se fosse
uma ou outra chuva só, poderia ser uma simples variação, mas o aumento desses
eventos nos diz que algo está diferente. É uma resposta local às mudanças
globais", afirma.
O
mesmo vale, diz ele, para as duas secas históricas experimentadas pela Amazônia
em 2005 e 2010.
Esse olhar sobre o passado, somado aos
trabalhos com modelagens climáticas, ajuda a entender o que as projeções têm
indicado para as próximas décadas. O relatório mostra uma elevação de temperatura
de 2,5°C a 5°C nos meses de verão, e de 3°C a 6°C no inverno, até o final do
século. A variação depende do bioma analisado.
Em relação às chuvas, há uma previsão de
diminuição de até 50% no inverno no Nordeste e aumento de até 35% no Rio Grande
do Sul. "O que as projeções mostram coincide com o que já estamos
sentindo", comenta Ambrizzi. Em geral, o relatório aponta para o aumento
de períodos de seca prolongada e de chuva forte, assim como a ocorrência de
fenômenos naturais com forte poder de destruição.
Consequências
Além da base científica das mudanças
climáticas, o trabalho analisa também os impactos que elas terão nos diversos
setores da economia, as principais vulnerabilidades do País e também sobre como
ele está se adaptando ao que está por vir. Esses são os temas do grupo de
trabalho 2. Há ainda um terceiro, que aborda como o Brasil está mitigando suas
emissões de gases de efeito estufa.
De acordo com o engenheiro agrícola Eduardo
Assad, da Embrapa, os estudos mostram uma tendência de que a mudança do clima
afete a oferta hídrica. Rios do leste do Amazonas e do Nordeste do Brasil podem
sofrer uma redução de vazão de 20%. Os da bacia do Tocantins, de até 30%. Já os
da bacia do Prata, na região Sul, poderão ter aumento de 10% a 40%.
"Isso pode trazer problemas para a
oferta energética na Amazônia, justamente onde estão concentrados os esforços
do governo para a construção de hidrelétricas", diz Assad.
Outro impacto poderá ser observado sobre os
ecossistemas oceânicos. Segundo Assad, nos próximos 40 anos eles poderão sofrer
uma redução de 6% do potencial máximo de pesca. "O que percebemos nesse
levantamento, porém, é que há várias lacunas científicas. E uma delas é
justamente sobre essa região, onde vive a maior parte da população do Brasil e
muitas pessoas dependem desses recursos."
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