Uma comparação interessante
entre dois santos bem conhecidos: com qual deles você se identifica mais?
“São Francisco era um
homenzinho fisicamente frágil e ativo, magro como um barbante e vibrante como a
corda de um arco, e, em seus movimentos, parecia uma flecha saindo do arco.
Toda sua vida foi uma série de saltos e carreiras: disparar atrás de um mendigo;
ir depressa, despido, para a floresta; entrar escondido no navio desconhecido;
aparecer de repente na tenda do sultão e oferecer-se para se jogar no fogo. Em
termos de aparência, ele deve ter sido como uma folha outonal esquelética e
fina, amarronzada, dançando eternamente no vento, mas a verdade é que ele era o
próprio vento.
São Tomás era um homem
imenso e bem sólido, gordo, lento e de gestos controlados; muito amável e
magnânimo, mas não muito sociável; tímido, mesmo se ignorarmos a humildade do
santo; e distraído, mesmo sem levar em conta suas casuais, e cuidadosamente
escondidas, experiências de êxtase ou de transe. São Francisco era tão agitado
e até irrequieto que os eclesiásticos diante dos quais ele de repente aparecia
julgavam-no louco. São Tomás controlava tanto suas emoções que os professores
das escolas que ele frequentou regularmente o julgaram tolo. Na verdade, ele
era o tipo de aluno, não incomum, que preferia ser um tolo a ter seus sonhos
pessoais invadidos por tolos mais ativos ou animados.
Esse contraste externo
alcança quase todos os aspectos dessas duas personalidades.
O paradoxal em São Francisco
era que, não obstante sua paixão por poemas, desconfiava bastante dos livros. O
que havia de notável a respeito de São Tomás era sua adoração pelos livros, sua
vida dedicada aos livros. Ele levou exatamente a vida do estudioso de Os Contos
da Cantuária, de Geoffrey Chaucer, que preferia ter mil livros de Aristóteles,
e sua filosofia, do que qualquer riqueza que o mundo pudesse lhe dar. Quando
lhe perguntaram o que mais tinha a agradecer a Deus, ele respondeu
simplesmente: ‘Entendi todas as páginas que li’.
São Francisco era bem vívido
em seus poemas e bem descuidado em seus documentos; São Tomás dedicou toda a
vida a documentar sistemas completos de literaturas, pagã e cristã, e de vez em
quando, nas horas vagas, escrevia um hino.
Eles viam um mesmo problema
a partir de ângulos diferentes, um sob a ótica da simplicidade; o outro, da
sutileza. São Francisco julgava que era suficiente dizer o que sentia aos
maometanos para convencê-los a não adorar Maomé. São Tomás ficava examinando
todo tipo de distinção e de dedução, por menor que fosse, sobre o absoluto ou o
acidente, só para evitar que os maometanos entendessem Aristóteles de maneira
errada.
São Francisco era o filho de
um comerciante, ou mercador de classe média, e embora toda sua vida fosse uma
revolta contra a atividade mercantil do pai, mesmo assim conservou algo da
agilidade e da adaptabilidade social que faz o mercador zumbir como uma
colmeia. Na frase comum, embora adorasse os campos verdes, nunca deixou a grama
crescer debaixo de seus pés.
Era o que os milionários e gângsteres americanos
chama de ‘fio vivo’ (pessoa que nunca para). As pessoas modernas de mente
mecânica, mesmo quando tentam imaginar uma coisa viva, em geral só conseguem
pensar numa metáfora mecânica a partir de uma coisa morta. Há minhocas vivas,
mas não há fios vivos. São Francisco teria concordado enfaticamente que era
minhoca, mas uma minhoca muito viva. O maior de todos os inimigos do ideal do
‘ir-conseguir’ (do empreendedor aquisitivo), São Francisco por certo deixou de
lado o ‘conseguir’, mas nunca parou de ‘ir’.
São Tomás, por outro lado,
veio de um mundo em que poderia ter se dedicado ao lazer, e continuou a ser um
desses homens para os quais o trabalho tem algo da placidez do lazer.
Trabalhava com muita dedicação, mas provavelmente ninguém diria que era uma
pessoa apressada. Trazia em si algo indefinível que distingue as pessoas que
trabalham sem precisar trabalhar, pois era por nascimento um cavalheiro de uma
casa importante, e essa facilidade poder permanecer como um hábito depois de
ter deixado de ser impulso. Mas, nele, isso só se manifestou em seus elementos
mais agradáveis; por exemplo, era possível que houvesse algo disso em sua
cortesia e paciência.
Todo santo é homem antes de
ser santo, e um santo pode ser feito a partir de todo tipo de homem”.
(Do livro “São Tomás de
Aquino – O Boi Mudo” de G. K. Chesterton)
Nenhum comentário:
Postar um comentário